segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Conceito de saberes locais


 Conceito de saberes locais

Os saberes locais fazem parte das temáticas mais discutidas, hoje, no campo de educação. São discutidos porque o paradigma educacional tende a adaptar-se às condições concretas da vida das pessoas. No contexto actual, a escola se interessa, para sustentar a sua prática educativa, pela sua inserção na comunidade e pelo reconhecimento de saberes localizados nela. O interesse pela comunidade tem como objectivo estabelecer as relações de diálogo entre a própria comunidade e a escola, entre os saberes locais das comunidades e os saberes universais para o desenvolvimento da prática educativa.
A abordagem sobre os saberes locais não é totalmente nova no sistema escolar. Por exemplo, BASÍLIO (2006) refere que o currículo colonial já previa a integração dos saberes locais. O mesmo autor refere ainda, que é a partir dessa perspectiva, que os antropólogos missionários discursavam em volta dos saberes locais, das culturas locais e das línguas locais. Porém, os objectivos e métodos pautavam-se no processo de evangelização e dominação portuguesa. A cultura local era tomada como uma questão estratégica para converter e assimilar os africanos. A intenção era usar os saberes locais para realizar com facilidade o processo de colonização e de conversão.
Segundo BASÍLIO (2006:23) “em Moçambique, o primeiro trabalho realizado por missionários ligados aos saberes locais foi o estudo etnolinguístico”. Ele refere que este trabalho consistiu em estudar as línguas locais para traduzir a Bíblia. Traduzir a Bíblia em língua local implicava conhecer a cultura do povo falante dessa língua. Ora, os antropólogos implicados no processo passavam muito tempo a conversar com os velhos para compreender as suas construções culturais. As línguas locais serviam de meio para apreender os saberes locais. Contudo, a tradução da Bíblia em línguas locais trazia implicações políticas e culturais no seio dos nativos, porque alguns conceitos locais eram ajustados segundo a intenção dos colonizadores. As línguas locais e os saberes locais eram instrumentos para facilitar o trabalho dos colonizadores em África. Assim, na produção e organização do conhecimento escolar, os saberes locais eram segregados.
Os saberes não se reduzem ao puro conhecimento nem ao conjunto de enunciados denotativos. Os saberes são um conjunto de enunciados que carregam consigo mesmo, as noções de saber ser e estar, saber fazer, saber escutar e o conhecer. Assim os “saberes” abrangem uma gama de informações sistemáticas e não sistemáticas.
LYOTARD (1989) analisando a pragmática do saber narrativo discute em volta do que são saberes. Para ele, os saberes se fundamentam na competência que excede a determinação e aplicação do mero critério da verdade. Os saberes dizem respeito à eficiência, à justiça e felicidade, à beleza e normativa. LYOTARD afirma que “o saber é aquilo que torna qualquer pessoa capaz de proferir bons enunciados denotativos, mas também prescritivos, bons enunciados avaliados” (LYOTARD, 1989:47).
O que esta subjacente no trecho acima é que o que saber é mais abrangente. Ele inclui os enunciados científicos e culturais. Os enunciados científicos se fundamentam na metodologia e os culturais na vida como um todo. Tal como afirma SITHOLE apud CAMUENDO (2006: 70) “o saber local é aquele que se adquire ao longo da experiência da vida e, é o produto da interacção entre seres humanos em função de contextos culturais específicos de cada povo”. Este saber está intimamente ligado a práticas de vivências culturais da população.
O antropólogo GEERTZ (1997:100) afirma que “as formas de saber são sempre e inevitavelmente locais, inseparáveis de seus instrumentos e de seus invólucros”. GEERTZ analisa vários fenómenos culturais de diversos povos para mostrar que os saberes locais se manifestam “através de símbolos facialmente observáveis, um repertório elaborado de designações” (id. 95). Para ele, o mundo é um palco onde os actores fazem as suas construções culturais. Essas construções caracterizam a mesma maneira como cada povo vive, convive e representam o universo dos saberes locais.

BIBLIOGRAFIA

  1. BASÍLIO, Guilherme. Os saberes locais e o novo currículo do ensino básico. Mestrado em educação/currículo. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006.
  2. CAMUENDO, Ana Paula Alichi. Impacto das experiências laboratoriais na aprendizagem dos alunos no ensino de Química. Mestrado em educação/currículo. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006. 
  3. GEERTZ, Clifford. Saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
  4. LYOTARD, Mark. O Conceito de Cultura e o Estudo de Sociedades Complexas: uma perspectiva antropológica. Artefato, Rio de Janeiro: Conselho Estadual de Cultura, 1989.

1 comentário:

  1. Os saberes locais sao a base cultural de um povo, pois dificilmente se interpreta a cultura sem o conhecimento dos seus saberes que se resumem na lingua falada por este povo.

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